Internações por acidentes de trânsito crescem 725% em uma década em Pernambuco

Pernambuco é o segundo estado do Brasil que mais registrou internações nos hospitais em consequência de acidentes de trânsito na última década. Entre 2009 e 2018, o número de vítimas que deram entrada em unidades de saúde pública cresceu 725%. Somente no ano passado, por dia, cerca de 19 pessoas precisaram de atendimento médico depois de uma colisão. Os dados fazem parte de um levantamento nacional, realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que expõe os acidentes como problema de saúde pública. Diante das discussões sobre as mudanças na legislação de trânsito, capitaneadas pelo Governo Federal, entidades e especialistas saem em defesa de uma mobilidade mais segura.

Na última década, houve um crescimento de 33% na quantidade de internações de vítimas de acidentes de trânsito em todo o Brasil. O pior cenário foi registrado no Tocantins. Segundo o CFM, 20 pessoas dão entrada por dia em um hospital da rede pública brasileiro com ferimentos graves decorrentes de acidentes com transporte terrestre. Foram mais de 1,6 milhão de vítimas graves em dez anos. Essa realidade tem um impacto direto nos gastos com a saúde. O país gastou R$ 3 bilhões no Sistema único de Saúde (SUS) para tratar os feridos no período analisado.

Pernambuco registrou, de acordo com o levantamento do CFM, em uma década 56,3 mil internações, o que significa uma média anual de 5,6 mil internados por acidentes de trânsito. Em decorrência direta disso, contabilizando somente o gasto federal, foram gastos quase R$ 65 milhões de reais. É o 10º estado que mais interna e o 11º que mais gasta com o problema. “Os acidentes de trânsito representam um dos principais problemas de saúde pública do país. São a segunda causa de morte não natural, só perdem para homicídios. Estamos perdendo vidas no asfalto”, explicou o diretor da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) e membro da câmara técnica de medicina do Tráfego do CFM, Antônio Meira.

Seis em cada 10 vitimados graves do trânsito são pessoas 15 e 39 anos. A maioria, oito em cada dez, homens. “Não há como quantificar essas perdas, pois é uma faixa etária muito produtiva. A maioria dessas tragédias tem causas conhecidas e passíveis de prevenção, como o respeito às leis do trânsito. Se a gente tivesse investimentos maiores na prevenção, seria inclusive mais barato para o Estado. Uma vítima de trânsito é onerosa, pois sofre vários traumas e precisa de cirurgias de grande porte”, lembrou Antônio Meira.

Em Pernambuco de acordo com o CFM, entre 2008 e 2016, foram quase 17 mil mortes no trânsito. Cerca de seis mortes por dia, 2 mil por ano. Para o sociólogo consultor em segurança no trânsito Eduardo Biavati, os números podem ser ainda maiores. “O país ainda tem uma ineficiência em registrar e identificar os feridos e sobreviventes. Se o paciente não vai a óbito no local e fica internado, ele pode ter outras complicações de saúde e a morte não é informada como causada pelo acidente”, disse. Para ele, essa é uma das maiores tragédias humanitárias do século 21, com a diferença de que é um problema criado pela sociedade. “Houve avanços, a legislação que envolve álcool e trânsito, por exemplo, melhorou. Temos conseguido pensa com vários órgãos públicos conjuntamente no problema. Mas não é suficiente”, diz.

Para os especialistas, a decisão do presidente Jair Bolsonaro de ampliar a validade da Carteira Nacional de Habilitação de cinco para 10 anos e aumentar de 20 para 40 pontos o limite de pontos para suspender a CNH atua na direção contrária do que seria preciso para reduzir os acidentes, as vítimas do trânsito e os custos disso. “A legislação do Brasil é uma das melhores do mundo, mas precisa ser cumprida. Flexibilizá-la tratá mais facilidade ao motorista infrator. Outro ponto é que cerca de 12% a 15% dos acidentes com vítimas fatais envolve doenças orgânicas, como um AVC ou hipoglicemia grave, que poderiam ser prevenidas na realização da avaliação do exame físico e mental, que deixarão de ser feitos no período adequado”, defende Antônio Meira. Para ele, o caminho para um trânsito mais seguro é ampliar a fiscalização e realizar um trabalho de educação permanente.

A Abramet e o Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) se posicionaram contra o projeto de lei entregue pela presidência ao Congresso Nacional. Para o ONSV, a decisão  maquiaria problemas como níveis de agressividade, inexperiência dos motoristas e doenças mentais. Eduardo Biavati defende, como medida para diminuir os acidentes, a redução da velocidade máxima permitida nas vias, ampliar a fiscalização, trabalho direcionado para a mistura de álcool e direção e o trabalho de educação, no sentido de orientar a população para o cumprimento de regras básicas, como o uso de cinto de segurança e o não uso de aparelhos de smartphone enquanto dirige.

“Esse não é um problema do poder público, é de todos. Se a sociedade quiser, como um todo, diminuir essa tragédia, conseguimos. Estamos perdendo uma geração de jovens. Em 20 anos, isso representará um buraco etário na sociedade. Deveríamos ser mais solidários uns com os outros”, lembrou Biavati.
 
 
Frota de veículos no estado cresceu 82% entre 2009 e 2018

A frota de veículos em Pernambuco aumentou 82% na última década. O estado tem atualmente cerca de 3 milhões de veículos rodando nas ruas. Nos três primeiros meses de 2019,  foram registrados 8,5 mil acidentes de trânsito terrestre. Cerca de 18,1% dos vitimados precisaram ser internados por mais de três dias, incidindo diretamente sobre as contas da saúde estadual. Cada vitimado grave de acidente de trânsito custa em média 77 mil reais. Os vitimados de menor gravidade, que ficam internados menos de três dias, custam 6,6 mil.

Por ano, de acordo com um levantamento de 2015 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são gastos no estado R$ 900 milhões com vítimas de acidentes de trânsito e suas complicações. “Pernambuco tem hoje uma média de 40 mil acidentes de transporte terrestre por ano. Se considerarmos que são gastos cerca de R$ 5 bilhões mais R$ 2 bilhões municipais com a toda a saúde em um ano, é como se 15% a 20% do dinheiro da saúde pública fosse para as vítimas de acidentes”, explica o secretário estadual de Saúde, André Longo.

Segundo ele, o estado implementou ações que repercutiram nas estatísticas nessa década. “Desde 2012, percebe-se uma estabilização nas estatísticas de acidentes com vítimas. Justamente o tempo que a Lei Seca ganha destaque. A operação consegue frear os acidentes com vítimas, se considerarmos que a frota segue aumentando”, diz.

A meta do estado, para o próximo ano, é expandir a Lei Seca. “Porém, não adianta expandirmos a Lei Seca, investir em educação, se houver retrocessos na legislação. O projeto de lei que foi levado ao Congresso Nacional acaba com uma cultura que já foi criada. É preciso priorizar a segurança no trânsito”, pontuou o secretário. Um dos pontos mais preocupantes para o estado é a mudança na obrigatoriedade do uso da cadeirinha para crianças. Dentre as vítimas mulheres de acidentes de trânsito em Pernambuco nos primeiros três meses de 2019, 7,9% são crianças de até 9 anos. Entre os homens, 3,7% estão nessa faixa etária. 
 
Motos ainda respondem pela maioria dos acidentados graves
Sete em cada 10 vítimas de acidentes de trânsito em Pernambuco são motociclistas. A maior parte dos custos das internações de acidentados é fruto de uma equação que ainda segue sem resposta. Há 20 anos, o estado enfrenta uma epidemia de acidentes e mortes decorrentes do transporte ciclomotor que só faz crescer. Entre 2016 e 2017, o número de vítimas aumentou 6%. Entre 2015 e 2016, 11%. Por dia, são registrados em média 85 novos acidentados nos 17 hospitais sentinelas (onde são feitas as notificações para fins de vigilância).

As estatísticas são fruto também da mudança no perfil da aquisição de veículos no Brasil. Em 1990, por exemplo, existia uma moto para cada oito carros circulando em Pernambuco. Em 2018, passaram a ser 1,2 carro para cada moto. A quantidade de motos circulando aumentou em 32 vezes. Na última década, a frota de moto no estado cresceu 104%. A situação representa um drama para as contas da saúde. Dos 700 leitos disponíveis no Hospital da Restauração (HR), 14% deles são ocupados por pessoas que caíram da moto. Cada paciente desse custa, em média, R$ 230 mil, pois realiza entre duas a cinco cirurgias e passa, em média, 45 dias internado. O gasto estadual é exponencial: R$ 600 milhões todos os anos, se contempladas todas as ações, cerca de quatro vezes mais do que a verba destinada a todo o gasto com câncer.

Na última década, o eletrotécnico Kelvin Kleymberg, 27 anos, já foi vítima duas vezes de acidentes de trânsito. Nas duas ocasiões, estava em uma motocicleta. A primeira vez foi em 2011. Ele estava voltando par casa, depois do trabalho, quando derrapou em areia na pista. “Colidi com uma árvore e um carro. Tive uma lesão no fígado e fratura na mandíbula. Passei nove dias internado, precisei de duas cirurgias. Foram três meses até se recuperar. O segundo acidente foi mais leve, em 2013. Fraturei o osso do antebraço e tive escoriações. Fiquei dois dias internado e fiz uma cirurgia”, contabiliza.  
 

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